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terça-feira, 28 de julho de 2009

Mortais pecados

Olho-me ao espelho, debruado a talha,
luminosamente esculpida, dourada,
e pergunto-me, pelo espanto das respostas,
na assumida personagem de rainha má,
quem sou, para o que dou, quem me dá.
Miro-me na volumetria das imagens
cobertas por peles enrugadas,
vincadamente marcadas por exageros expressivos
de choros por entre risos
plantados nos ansiosos ritmos do tempo.

Profundos e negros pontos,
poros de milimétricos diâmetros,
sombras cinzentas,
castanhos pêlos,
brancas perdidas entre cabelos,
perfil de perfeita raiz de grego,
boca carnuda, gretada de secura,
sedenta de saudosos e sugados beijos
de línguas entrelaçadas,
lambidelas bem salivadas...

Contemplo-me, fixado no meu próprio olhar,
de cor baça tristeza,
desfocando a máscara de pálido cansaço
e não resisto ao embaraço de narciso;
sou o deus que procurei e amei em cumprimento do milagre
ou o mal que de tanto me obrigar, não reneguei?
Sou o miraculoso encantador a quem me dei
ou a raposa velha, vaidosa, vestida de egoísta,
com estola de alva ovelha, falsa de altruísta?

No meu lamento, a amargura, por que matei;
sangrando a vítima, trucidei-a num ranger de molares,
saboreei com as gustativas variados paladares,
viciado no prazer da gula,
como instintivo porco,
omnívoro...

Rezo baixinho, cantarolando,
beatas ladainhas de pecador,
que rouba e se perdoa
a cem anos de encarceramento.

No aliciamento cobiçante, por belas coxas,
pertença de quem constantemente me enfrenta,
competindo com as mesmas forças,
traindo-me na existência de meu possuir.
Viradas as costas, acabamos sempre por fingir.

Entendo velhos e sábios ditados,
não os querendo surdinar em consciência.
Penso de mim, importância demais,
que outros possam entender,
como comuns mortais.
Minha é a inteligente certeza
de querer enganar e vencer.

Sadicamente esbofeteio rechonchuda face
de idealista tímido,
que acredita e se deixa humilhar;
dá-me a outra, para também a avermelhar.

Vendo-me a infinitas e elegantes riquezas;
luxúrias terrenas, orgias, bacantes incestuosas,
sedas, glamour, jóias preciosas,
o que tenha etiqueta de marca,
marcantemente conotada,
que pavoneie a intensa profundidade da minha alma.
Ah! Ah!...

Salvas rebuscadas, brilhantes, de prata, pesadas,
riscadas de branco e fino pó...
Prostituo-me ao preço da mais valia,
excita-me de travesti Madalena,
ter um guru para me defumar, benzer e perdoar,
sem que me caia uma pedra na cauda.

Adoro o teatro espectacular,
encenado e ensaiado em vida,
mas faço sempre de pobre amador,
sendo um resistente actor.
Escancaro a garganta para trautear,
sem saber, nem sequer solfejar
e gargarejo a seiva da videira,
que me escorre pelo escapismo de meu engano,
querendo audaciosamente brilhar,
descontrolando o encarrilhar do instrumento das cordas da glote,
com o do fole pulmonar,
e desafino o doce e melódico hino.

Sou no vedetismo a mediocridade,
que se desfaz com o tempo,
até ser capaz de timbrar sem ser pateado.

Acelero nas viagens que caminham até mim,
fujo do lento e travo demais;
curvas perigosas, apertadas,
que me adrenalinam na fronteira do abismo.
Fumo, bebo em excesso
e converso temas banais por entre ondas móveis,
que me encurtam a pomposa solidão,
mas nada é em vão.

Tenho na dicção um tom vibrado e estudado
de dizer bem as palavras que sinto,
mas premeditadamente minto
e digo de propósito, sempre o errado.

Sou mal-educado, demasiado carente, enfadonho,
que ressona e grunhe durante o sono.
Tenho sempre o apressado intuito do saber,
de querer arrogantemente chamar a atenção,
por me achar condignamente o melhor, um senhor,
sem noção do que é a razão e o ridículo.

Digo não, quando deveria pronunciar sim.
Teimosamente rancoroso, tolo, alucinado, perverso, mal-humorado,
vejo em tudo a maldade do pecado.
Digo não, quando deveria embelezar a afirmação.

Minto, digo e desfaço-me propositadamente em negação.

Mas, fiz a gloriosa descoberta de meu crescer,
tenho uma virtuosa e única qualidade;
alguém paciente gosta muito de mim.

Obrigado!

Tenho que descansar.

2 comentários:

  1. QUERIDO AMIGO, BELÍSSIMA A TUA POESIA... ESTIVE A LER AS POSTAGENS ANTERIORES E FIQUEI DESLUMBRADA!!!
    A TUA SENSIBILIDADE TOCA O MEU CORAÇÃO... SUBLIMES POEMAS!!!
    ABRAÇO-TE COM CARINHO E AMIZADE,
    FERNANDINHA

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  2. Sou a toalha do altar em que te louva
    minha alma, poeta maravilhoso,
    que me conduz pelas mãos pelo magnífico castelo
    de sua criatividade,
    seus jardins de poemas são luxuriantes,
    néctares sublimes,

    muchas gracias por me acolher em seu
    círculo de amigos.

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